The Economist: nova rodovia no Paraguai pode competir com o Canal do Panamá

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Publicação inglesa de notícias e assuntos internacionais, o jornal The Economist fez uma reportagem sobre os investimentos da Rota Bioceânica e os impactos econômicos, sociais e ambientais, principalmente na região do Chaco paraguaio. O artigo foi publicado na seção The Americas, da edição impressa sob o título “Highway through hell” (Estrada através do inferno).

Confira o texto traduzido:

Nova rodovia no Paraguai pode competir com o Canal do Panamá

Isso se os governos do Brasil e da Argentina também construírem suas estradas de ligação 

O Chaco, uma vasta extensão de pântano, matagal e savana que se estende pelo Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina, há muito tempo é difícil de atravessar. No século 16, seus caçadores nômades emboscaram pretensos conquistadores espanhóis. Quando a Bolívia e o Paraguai lutaram pelo “Inferno Verde” na década de 1930, pensava-se que a sede matou mais soldados do que balas. Até 2019, uma região do tamanho da Áustria na parte paraguaia do Chaco não tinha estradas pavimentadas.

Mas, no início deste ano, o governo do Paraguai inaugurou a primeira metade de uma rodovia de pista dupla que atravessará a região por 544 km de leste a oeste. Ele forma a parte principal do Corredor Rodoviário Bioceânico, um projeto de infraestrutura falado há décadas pelos países ao redor do Chaco, que finalmente parece estar decolando.

O plano é que a estrada conecte os produtores de soja no Brasil e os pecuaristas do Paraguai aos mercados da Ásia, passando pelo norte da Argentina e pelos portos do Chile. Arnoldo Wiens, ministro de Obras Públicas do Paraguai, afirma que, em comparação com o transporte de mercadorias pelo Canal do Panamá, o corredor economizará 14 dias para os produtores agrícolas do Cone Sul e US$ 1.000 por contêiner, ou um terço de seus custos logísticos.

A primeira etapa da estrada – um trecho de 276 km entre a vila ribeirinha de Carmelo Peralta e a cidade de Loma Plata – foi construída por um consórcio formado pela Queiroz Galvão, um conglomerado brasileiro, e Ocho a, uma empresa local. Foi construído no prazo e dentro do orçamento de US$ 443 milhões: uma raridade no Paraguai propenso à corrupção. No início de 2024, uma ponte de US$ 103 milhões deve ligar Carmelo Peralta ao Brasil, e o corredor chegará à fronteira argentina. A rodovia Trans-Chaco, uma estrada esburacada que segue ao norte até a Bolívia, também está sendo ampliada e melhorada.

Mario Abdo Benítez, presidente paraguaio do conservador Partido Colorado, está ansioso para levar o crédito. Autoridades dizem que quase 3.000 km de estradas pavimentadas foram construídas desde que ele chegou ao poder em 2018. Isso é muito mais do que qualquer um de seus antecessores conseguiu, incluindo Alfredo Stroessner, um ditador que governou por 35 anos. No entanto, muitos desses projetos foram viabilizados pela legislação aprovada pelo antecessor de Abdo Benítez, Horacio Cartes, dizem aliados de Cartes.

Nem todo mundo está satisfeito com o asfalto. O frenesi da construção de estradas “aprofunda um modelo pouco diversificado e extrativista”, alerta a economista Verónica Serafini. A carne bovina e a soja representam quase 70% das exportações de bens do Paraguai em valor e sustentam um terço do PIB. “Em vez de construir mais megaprojetos, o país deveria apoiar os pequenos agricultores e investir em melhores transportes públicos e drenagem em Assunção, a capital propensa a inundações”, ela pensa. “O Brasil e a Argentina também terão que investir em algumas obras rodoviárias para que o corredor se conecte perfeitamente”, admite Juan Rivarola, gerente ambiental e social do projeto.

Mas para Julio Portillo, caminhoneiro, a nova estrada já está facilitando a vida. Chegar a Carmelo Peralta de Loma Plata costumava levar 12 horas por uma trilha de terra esburacada. Se chovia, ele ficava abandonado na lama por dias. Agora leva quatro horas. Ele ainda traz uma espingarda para caçar jacarés e queixadas, uma espécie de javali, para comer se ficar encalhado. “O Chaco paraguaio é um mundo à parte”, diz. “Se você ficar preso, ninguém virá ajudar.”

O impacto da nova rodovia é mais incerto para os indígenas locais, especialmente os poucos que ainda vivem nas florestas. “Vejo os dois lados, positivo e negativo”, diz Demetrio Picanerei, professor indígena Ayoreo na aldeia de Chaidi. Antes de ele nascer, seus pais fugiram dos bairros urbanos de Ayoreo na Bolívia, devastados por drogas e álcool. Ele teme que a nova rodovia, e as inevitáveis ​​paradas de caminhões, motéis e lanchonetes que surgirão ao longo dela, espalhem os mesmos “vícios”.

Ninguém vai me atrasar

Outro problema é o desmatamento. Entre 1985 e 2013 o Chaco perdeu um quinto de sua superfície. Árvores foram derrubadas e queimadas, principalmente para plantações e pastagens. Em relação ao seu tamanho, está encolhendo mais rápido do que a Floresta Amazônica. Muitas onças, antas e tatus gigantes ameaçados de extinção logo serão atropelados ou virarão troféus, preocupa Luis Recalde, um conservacionista. Para tentar evitar isso, o consórcio de construtores criou 15 passagens subterrâneas para a vida selvagem. O corredor também foi ligeiramente desviado em dois lugares para evitar passar diretamente pela terra Ayoreo.

Autoridades dizem que a integração do Chaco com o resto do país está muito atrasada. A área cobre quase dois terços do território paraguaio, mas abriga apenas 3% de sua população. Centenas de empregos serão criados assim que as frotas de caminhões brasileiros começarem a circular, prevê Wiens. Até o sr. Picanerei admite que isso tornará mais fácil chegar ao hospital. “As estradas eram muito feias antes”, diz ele.

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