O pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Daniel Vargas apresentou argumentos que desmontam afirmações de autoridades dos países desenvolvidos sobre quem contribui mais para o aquecimento global com a emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE) e quais as estratégias adequadas para mitigar esse problema.
Vargas proferiu palestra na manhã dessa segunda-feira (1° de abril) durante a abertura do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas realizado pela Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) de Mato Grosso do Sul. O evento acontece no Sebrae/MS e reúne autoridades, pesquisadores, estudiosos, ativistas, técnicos, produtores e empresários.
Com o tema “Transição Verde: conversão do verde ao valor”, o pesquisador aponta quatro setores vistos pelos técnicos do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) como potenciais poluidores e que são vitais para o desenvolvimento dos países tropicais, a saber: a Agricultura, a Pecuária, o Transporte e o Comércio. O IPCC é o organismo da ONU que concentra as discussões e elabora diretrizes para as políticas de combate às mudanças climáticas.
A desconfiança lançada sobre a Agricultura tem a ver com a premissa de que, qualquer aumento na produção demande, necessariamente, devastação de florestas para ampliar a área plantada, explicou Vargas. Isso porque, na Europa, sobretudo, a média de produtividade das culturas se mantém inalterada há anos, portanto só conseguem conceber aumento de produção com ampliação da área plantada. No Brasil, com a adoção de tecnologias sustentáveis, as safras têm sido cada vez maiores sem que a área plantada aumente na mesma proporção.
Outra distorção apontada pelo pesquisador diz respeito a quem fica com o ônus da poluição gerada durante o processo produtivo. Essa conta muda de destino a depender do setor em questão. Na exploração de petróleo, por exemplo, o ônus fica para os países que compram os derivados. Já na produção agrícola, a conta recai ao país que produz. Essa perversão do sistema comercial precisa ser revista porque prejudica os países tropicais (América Latina e África), grandes produtores de alimentos, enquanto beneficia os países ricos que têm na exploração do petróleo importante matriz econômica.
Boi-gelo e energia limpa
O alvo predileto dos idealizadores da legislação climática tem sido o boi, que em seu ciclo de vida emite uma quantidade importante de gás Metano, o segundo maior vilão do efeito estufa (atrás apenas do gás carbônico, o CO2).
Vargas rebate a teoria da pecuária poluidora e assegura que, feitas as contas corretamente, pode-se concluir que o boi é uma “geladeira” ambulante. Isso porque, parte do Metano que é gerado pelo bovino é transformado em água e CO2 num período de até 10 anos após a emissão. Esse CO2 acaba sequestrado pela vegetação que serve de alimento para o rebanho, de modo que o saldo de GEE acaba zerado nesse processo.
“O Metano não é como o CO2 que dura até mil anos na Atmosfera. Não pode ser computado de forma cumulativa. A depender da qualidade do sistema produtivo implantado, julgado na melhor forma científica, o boi pode ser uma geladeira para o planeta”, afirmou.
Por fim, outro mito desfeito pelo pesquisador em sua palestra é a hipotética superioridade do carro elétrico que circula na Europa, em contraponto ao motor flex movido a gasolina e etanol (ou só etanol) usado no Brasil.
“O carro elétrico em si não polui nada, nem escapamento tem. Mas a energia que move esse carro é gerada por usinas termelétricas à base de carvão mineral, combustível altamente poluidor”, completou.
Nesse sentido, Vargas conclui que o carro flex chega a ser 30% menos poluidor que o carro elétrico europeu. Essa constatação já fez as empresas e organismos governamentais repensarem a produção em massa de carros elétricos. Pelo menos até que consigam fontes limpas de energia, o que o Brasil também tem em abundância. Em 2023, 93,1% de toda eletricidade gerada no Brasil partiram de fontes renováveis, como hidrelétricas, parques eólicos, fazendas solares e usinas a biomassa, conforme estudo da Central de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
O pesquisador entende ser necessário um trabalho firme no âmbito diplomático para reajustar o balanço de responsabilidades de cada um na emissão de GEEs e nas ações mitigadoras. A primeira tarefa é criar métricas para referenciar cada processo produtivo e chegar a um balanço correto de carbono. “Talvez não haja país mais bem posicionado e referendado no mundo para liderar essa tarefa que o Brasil”, acredita.
O Banco de Dados de Emissões para Pesquisa Atmosférica Global (Edgar) aponta a China como o país com a maior emissão de gases do efeito estufa (29,2%), seguida dos Estados Unidos (11,2%), Índia (7,3%), enquanto todos os países membros da União Europeia respondem por 6,7%. Mesmo sendo o quinto maior país em território e a 9ª maior economia do mundo, o Brasil tem uma parcela pequena de 2,4% no total de emissões.
Fonte: Semadesc | João Prestes